Os Instrumentos de Intervenção Psicossocial na Atenção Básica constituem-se em importante estratégia para produção do cuidado em Saúde.
Os Instrumentos de Intervenção Psicossocial na Atenção Básica
constituem-se em importante estratégia para produção do cuidado em Saúde.
Com uma oferta de tecnologias que contemplem necessidades e demandas
que surgem do território, disponibilizamos, a seguir,
- um cardápio de ações em saúde mental para Atenção Básica que dialogam com o conceito ampliado de Saúde e
- com a integralidade do cuidado.
Com o intuito de abordar a importância dos grupos como oferta da
Atenção Básica, destacando as concepções de sujeito-coletivo, atenção
integral e produção de autonomia, trazemos neste texto algumas reflexões e
sugestões sobre as especificidades da realização de grupos com vistas à
promoção da saúde mental.
Os grupos, enquanto tecnologia de cuidado complexa e diversificada,
são teorizados pelas mais diferentes molduras teóricas, podendo ser úteis nas
formulações de dinâmicas grupais.
Tais ofertas das formas de intervenção são
derivadas das demandas recorrentes dos profissionais que desejam incorporar
novas ferramentas de trabalho, perguntando-se “como faço
grupo?”, “como saio do meu espaço clínico individual?”, entendendo este
espaço como produtor de saúde e possuindo impacto nos determinantes e
condicionantes de saúde dos sujeitos e coletividades.
As técnicas de trabalho com grupos foram amplamente desenvolvidas –
especialmente na América Latina – com fundamental contribuição da psicologia
social argentina (Pichon-Riviére, José Bleger, entre outros) e hoje nos oferece
um amplo arcabouço teórico-prático com o qual podemos refletir e pautar
trabalhos em saúde pública, amparando-nos das angústias e contradições que
naturalmente surgem em situações novas e desconhecidas.
O processo grupal, desde que bem pensado em sua finalidade, estrutura e manejo, permite uma poderosa e rica troca de experiências e transformações subjetivas que não seria alcançável em um atendimento de tipo individualizado.
Isto se deve exatamente à pluralidade de seus integrantes, à diversidade de
trocas de conhecimentos e possíveis identificações que apenas um grupo torna
possível.
Os grupos na Atenção Básica costumam ser orientados pelas ações
programáticas, modelo hegemônico de organização da ESF, centrado nos
grupos prioritários de doenças/ agravos: grupo para pessoas com:
- diabetes,
- hipertensão;
- atividade física;
- planejamento familiar;
- grupos de adesão medicamentosa, entre outros.
Os objetivos são de gerar impactos nos
indicadores na perspectiva da educação em saúde, comumente baseada num
paradigma de transmissão do saber-fazer profissional.
Se, por um lado, as propostas desses grupos organizam um modelo
amplamente difundido, por outro, esgota-se a possibilidade de diálogo devido à
manutenção da repetição do discurso, centrado no saber profissional.
A
primeira pergunta a ser realizada na proposição de um grupo, é se este atende
ao objetivo de atenção integral com impacto na saúde e na autonomia das
pessoas nas práticas de cuidado.
As propostas do grupo em saúde, partindo do reconhecimento da
experiência do outro, seus territórios existenciais transversalizados por vetores
sociais, culturais, políticos e outros, possibilitam a formação de
um grupo-sujeito, no qual o sujeito é agente coletivo dos enunciados, pois
“esforça-se para ter um controle sobre sua conduta” (GUATARRI, 1985).
A
direção do trabalho seria que o grupo se entendesse como permeável a outras
possibilidades de discurso e encontros, articulando-se com um conjunto de
discurso histórico produzido na família, escola, igreja, hospitais, centros de
saúde.
O grupo será uma oferta do serviço e mais um ponto da rede social de
cuidado aos usuários no território de referência.
A verdade do profissional em
saúde deve estar em articulação com as várias verdade do território, coletivos,
indivíduos.
A perspectiva de grupos, desse modo, deve estar pautada em uma
flutuação entre o normativo e o criativo e não somente no caráter normativo que
vem tendo especial importância na conformação dessa oferta pelas equipes de
Atenção Básica.
O trabalho com grupos na Atenção Básica associado ao campo da saúde
mental pode superar o aspecto da normalização do cuidado a pacientes com
sofrimento emocional significativo, na perspectiva desse enfoque referencial.
Nesse sentido, sugerimos evitar:
• Formação de grupos por tipologia de agravos ou sofrimento
psíquico.
Deve-se buscar a diversidade grupal, reconhecendo e fazendo-se
reconhecer os sujeitos como pertencentes a um território comum;
• O grupo como lugar de abordagem.
Deve-se enfatizar o grupo
como lugar do encontro entre sujeitos, as pessoas como singularidades em
permanente produção de si e do mundo.
Alguns artigos e livros publicam os esforços das experiências grupais na
Atenção Básica para o cuidado aos sujeitos que necessitam de apoio às suas
condições de sofrimento ou agravo da saúde mental.
Conforme trabalhado
anteriormente, a primeira superação necessária dos profissionais é não
enclausurar o sofrimento ao diagnóstico, mas ampliar as condições de sujeito e
de saúde.
Contudo, para que determinado grupo possa, de fato, ter esse alcance
positivo, deve-se voltar a atenção para algumas de suas características e
dinâmica, cujo descuido, poderia comprometer seu bom andamento e
resultado.
O grupo deve ser pensado, a priori, quanto à sua:
• Finalidade – qual o objetivo do grupo? Seria um grupo com viés
preventivo/educativo, terapêutico, operativo ou de acompanhamento?
• Estrutura – grupo aberto ou fechado? Com um número de
encontros previstos ou a depender da dinâmica de seus participantes?;
Grupo
misto ou delimitado por alguma característica específica (Ex.: grupo de
puérperas, grupo de pessoas com ansiedade, pessoas em uso prejudicial de
álcool e/ou outras drogas etc.).
Depois de delimitadas as duas primeiras características, é de suma
importância o manejo do grupo, cabendo ao coordenador desenvolver a
habilidade de conduzir o grupo de modo a integrar os seus participantes em
torno de determinada(s) tarefa(s) específica(s), sem comprometer a
heterogeneidade de seus integrantes.
Deve-se privilegiar a participação ativa
dos integrantes do grupo, incitando-os a contribuírem com a tarefa grupal, de
modo a comprometê-los subjetivamente com aquilo que está sendo tratado pelo
grupo.
Tal comprometimento subjetivo não se configura como tarefa ou
sugestão imposta por profissionais que dão a tônica acerca do que seja melhor
para os sujeitos e grupos, mas deve emergir do como estes entendem o grupo
como seu espaço de produção subjetiva de autocuidado, pautado na
construção da autonomia, das escolhas e do comprometimento gradual e
espontâneo.
Para isto, outro ponto é de fundamental importância: o conteúdo
emergente do próprio grupo (PICHON-RIVIèRE, 2005).
Ao se propor
determinado grupo, com determinada tarefa e objetivos, tende-se a certa rigidez
e inflexibilidade, não permitindo que o conteúdo emergente do grupo, aquilo que
o próprio grupo traz como conteúdo latente, seja revelado e colocado em pauta.
Se tal característica prevalecer, teríamos configurado apenas um agrupamento
de pessoas, sem nenhum sentimento verdadeiro de valor e pertencimento
grupal.
Se devidamente conduzido, tal conteúdo que deriva de seus integrantes
como latente, deverá surgir como demanda manifesta pela necessidade
imediata que o grupo evidencia, naquele momento grupal.
O grupo deve ser proposto de tal modo a permitir que seus integrantes
tenham voz, espaço e corpos presentes; se sintam verdadeiramente como
integrantes ativos de um grupo.
Não há participação verdadeiramente ativa em
um grupo sem que os sujeitos que se colocam tenham condição de ser ouvidos
em suas demandas, para depois poder ouvir e colaborar com a demanda alheia
e proposta geral; constituindo, somente a partir daí um verdadeiro sentimento
de pertencimento grupal.
Os desafios teórico-práticos nesse cenário dizem respeito à necessidade
de produzir dispositivos que cuidem de algumas situações emergentes no
cenário da saúde mental, e que surgem como problemas recorrentes no
território da Atenção Básica.
Cuidar de condições crônicas medicamentosas
dos indivíduos, de sujeitos que não querem ou não conseguiram parar o uso
prejudicial de substâncias psicoativas, e se encontram com problemas
decorrentes do uso álcool e outras drogas.
A cronicidade medicamentosa pode ser articulada no Projeto
Terapêutico Singular (PTS) em uma ação transdisciplinar entre os profissionais
da Atenção Básica e o apoio matricial dos Centros de Atenção Psicossocial
(Caps) do município ou território.
Já nos problemas decorrentes do uso de
álcool e/ou outras drogas, o desafio amplia-se, pela hegemonia da abstinência
nas práticas assistenciais, o que produz sentimentos de frustração de que toda
ação é inútil, já que frustrada pela repetição do ato de uso e pela intoxicação.
Esse ponto se relaciona pelo fato de que projetamos, enquanto profissionais de
saúde, o desejo da interrupção abrupta das substâncias, sejam álcool e/ou
outras drogas, seja o uso crônico de medicamentos.
No que concerne a situações desse tipo, as discussões entre grupo-sujeito e grupo-sujeitado permitem aproximações com outros
discursos apresentados no documento referência da Política do Ministério da
Saúde para Atenção Integral a Usuário de Álcool e Outras Drogas, assim como
na Política Nacional de Atenção Básica, que propõem diretrizes que podem
ajudar na organização dos serviços e assumem a Redução de Danos como
estratégia, pois “quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos de,
necessariamente, lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades
e escolhas que são feitas” (BRASIL, 2004, p. 10; BRASIL, 2012, p. 19).
A
abstinência é uma direção clínica muita vezes necessária, mas nem sempre
possível para alguns sujeitos, que não querem ou não conseguem parar o
consumo, o que deve ter como referencial teórico-prático de atuação as práticas
e a ética da redução de danos.
A grupalidade pode agenciar outros efeitos na vida social desses sujeitos
entendendo os motivos do sofrimento para além da doença e produzindo novos
suportes no território, acionando dispositivos que articulem trabalho, cultura e
renda na perspectiva da economia solidária e geração de renda, envolvendo e
produzindo desejos no real social, processos de subjetivação solidária e
alianças de cidadania.
O que desejamos como síntese é que o grupo seja um intermediário da
relação indivíduo-sociedade, no qual se evidencia os agenciamentos coletivos
de enunciação e sua consequente produção de subjetividades, já que a
produção de um sujeito-indivíduo é inseparável das marcas coletivas
(BARROS, 1994).
Adotar a diferença como requisito de cura, evitando
totalizações e universalizações dos sujeitos, grupos, práticas de cuidado.
Grupos operativos
Segundo Pichon-Rivière (2005), como já visto neste capítulo, o grupo
operativo ocorre por um conjunto de pessoas movidas por necessidades
semelhantes que se reúnem em torno de uma tarefa específica ou objetivo
compartilhado, onde cada participante, com suas peculiaridades, expressa
suas opiniões, defende pontos de vistas ou simplesmente, fica em silêncio
(FREIRE, 2000).
O grupo operativo caracteriza-se pela relação que seus integrantes
mantêm com a tarefa.
As finalidades e propósitos dos grupos operativos estão
centrados na solução de situações estereotipadas, dificuldades de
aprendizagem e comunicação, considerando a ansiedade vivenciada diante da
perspectiva de mudança que se opera (OSÓRIO, 2003).
O grupo operativo tem,
portanto, a proposta de mobilizar um processo de mudança, que passa
fundamentalmente pelo manejo de medos básicos, da perda e do ataque.
Assim, visa fortalecer o grupo favorecendo uma adaptação ativa à realidade a
partir do rompimento de estereótipos, revisão de papéis sociais, elaboração das
perdas cotidianas e superação das resistências a mudanças.
Os grupos operativos abrangem quatro campos de atuação:
• Ensino-aprendizagem: cuja tarefa essencial é refletir sobre temas
e discutir questões de interesse comum.
• Institucionais: grupos formados em escolas, igrejas, sindicatos,
promovendo reuniões com vistas ao debate sobre questões de seus interesses.
• Comunitário: pode ser utilizado nos programas de Saúde em que
profissionais são treinados para a tarefa de integração e incentivo a
capacidades grupais.
• Terapêutico: objetiva a melhoria da situação de sofrimento.
Na dinâmica do processo grupal, Pichon-Rivière (1998) estabelece cinco
papéis que constituem um grupo:
- líder de mudança;
- líder de resistência;
- bode expiatório;
- representantes do silêncio;
- porta-voz.
O líder de mudança é aquele que leva a tarefa adiante, enfrenta conflitos
e busca soluções, arrisca-se diante do novo.
O líder de resistência puxa o grupo
para trás, freia avanços, ele sabota as tarefas levantando as melhores
intenções de desenvolvê-las, mas poucas vezes as cumpre.
O líder de
resistência muitas vezes atua em um contraponto interessante ao líder de
mudança quando se descuida de parâmetros de realidade ao promover
mudanças, estabelecendo equilíbrio ao grupo.
O bode expiatório assume as
culpas do grupo, isentando-o dos conteúdos que provocam medo, ansiedade,
etc.
O representante do silêncio assume as dificuldades dos
demais para estabelecer a comunicação, obrigando o resto do grupo a falar.
O
porta-voz é aquele que denuncia a enfermidade grupal, fazendo emergir as
ansiedades grupais. É neste papel que o sujeito expressa os conflitos latentes
do grupo.
Práticas integrativas e complementares
O campo das Práticas Integrativas e Complementares (PICs) contempla
sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos que envolvem
abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de
agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras.
Estas práticas compartilham um entendimento diferenciado sobre o processo
saúde-doença, ampliando a visão desde processo e as possibilidades
terapêuticas, contribuindo para a promoção global do cuidado humano,
especialmente do autocuidado (BRASIL, 2006).
O Ministério da Saúde, com o objetivo de ampliar o acesso da população
a esses serviços, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no SUS (Portaria MS/GM nº 971, de 3 de maio de
2006), que traz diretrizes para inserção de ações, serviços e produtos da
Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Homeopatia, Plantas Medicinais e
Fitoterapia, assim como para os observatórios de saúde de Termalismo
Social/Cronoterapia e Medicina Antroposófica.
As ações das PICs são
transversais nos diversos pontos de atenção, mas desenvolvem-se
prioritariamente na Atenção Básica, pois, em geral, usam tecnologias de
elevada complexidade e baixa densidade tecnológica.
No próximo blog seguiremos, por meio de tópicos como os problemas de
saúde mental são trabalhados no âmbito de algumas racionalidades,
exemplificando técnicas que podem apoiar o cuidado dos usuários.
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