A definição de cuidado, sofrimento, pessoa e território - Saúde Mental




A definição de cuidado, sofrimento, pessoa e território 

No mundo ocidental, a maioria de nós, mesmo sem nos darmos conta, enxerga o mundo a partir de uma separação total entre a mente e o corpo, de forma que um não se mistura com o outro de modo algum. 

Diferentes pensadores contribuíram para a produção desse modo de ver o homem e para a produção desse dualismo mente/corpo que não nos ajuda a intervir eficazmente no processo de saúde-doença. 

O filósofo Descartes, conhecido como o “fundador da filosofia moderna”, dizia que mente e corpo se tratavam de duas substâncias diferentes. 

Platão, muito antes, separava o mundo da matéria, onde tudo é mutável, imperfeito e perecível, do mundo das ideias, que são eternas, perfeitas e imutáveis. E hoje, esse tipo de visão de mundo se manifesta quando dizemos que “fulano não tem nada, é psicológico”. 

Logo, não é de se surpreender que exista uma enorme dificuldade para que a relação entre estes dois campos se configure em um campo de produção conjunta. 

Na prática, quem lida com um não lida com o outro. 


“Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.” (Mc 7:21-23)

Desta forma, entendemos que é necessário não só construir um espaço alternativo de intersecção entre atributos diferentes, mas sim desenvolver uma visão que supere esta distinção rígida entre mente e corpo em que os fenômenos destas classes aparentemente distintas sejam compreendidos como parte de um todo integrado que nos constitui e nos produz. 

Em direção a novos objetos de cuidado em saúde, pela vida da Atenção Básica:

cuidado do sofrimento de pessoas Eric Cassell, importante médico de família americana, aponta para o fato cotidianamente observável de que existem pessoas que sofrem e não estão doentes (ou enfermas), e muitas podem estar gravemente doentes (e enfermas) e mesmo assim não sofrer. 

A partir daí a obra de Cassell direciona-se a construir esse novo modelo, e nos ajudar a compreender do que se trata cuidar de pessoas que sofrem. 

Ao longo deste, iremos explorar o alcance de tal equação que comporta três noções aparentemente simples – cuidado, sofrimento e pessoa – com destaque para a rica articulação que ela traz ao campo da Saúde Mental na Atenção Básica. 

A Saúde Mental e Atenção Básica são campos que convergem a um objeto comum e o que está em jogo em ambos é a superação das limitações da visão dualista do homem, a construção de um novo modelo dinâmico, complexo e não reducionista e a orientação para novas formas de prática na área de Saúde. 


O que é uma pessoa? 

Toda pessoa tem uma vida passada e as memórias de uma pessoa com tudo o que ela viveu, aprendeu e experimentou fazem parte da sua vida presente e de como ela enxerga o mundo. “Roubar das pessoas seu passado, negar a verdade de suas memórias, ou zombar de seus medos e preocupações fere as pessoas. Uma pessoa sem passado é incompleta”, diz Cassell. 

Toda pessoa tem uma “vida futura” em que deposita seus sonhos, expectativas e crenças quanto ao futuro que influenciam muito a vida presente. 

Muitas vezes, um grande sofrimento pode causar temor em perder essa sua vida futura em virtude de algum problema de saúde. 

Toda pessoa tem uma vida familiar repleta de papeis, identidades constituídas a partir da história familiar, propiciando sentimento de pertencimento. 

As experiências e histórias familiares também constituem a pessoa. 

 Toda pessoa tem um mundo cultural. Esse mundo influencia a saúde, a produção de doenças, define valores, relações de hierarquia, noções de normal e patológico, atitudes consideradas adequadas frente aos problemas da vida e propicia isolamento ou conexão com o mundo

Toda pessoa é um ser político com direitos, obrigações e possibilidades de agir no mundo e na relação com as pessoas. 

Problemas de saúde podem contribuir para que a pessoa se sinta impotente nesta esfera, ou que se considere incapaz de ser tratada como seus pares em suas reivindicações e possibilidades de ação. 

Toda pessoa tem diversos papéis: 
  • pai, 
  • mãe, 
  • filho, 
  • profissional, 
  • namorado, 
  • amante, 
  • amigo, 
  • irmã, 
  • tio etc. 

A vivência de cada um deles envolve diferentes relações de poder, de afeto, de sexualidade etc. As pessoas também são cada um desses papéis, que podem ser prejudicados em situações de agravo à saúde, além de serem mutáveis. 

Toda pessoa tem uma vida de trabalho, que está relacionada a seu sustento e, possivelmente, de sua família. 

Muitas pessoas consideram-se úteis por meio do trabalho, e muitos quase definem a própria identidade por aquilo que fazem. 

Toda pessoa tem uma vida secreta, na qual deposita amores, amizades, prazeres e interesses que não são compartilhados com outras pessoas importantes de sua vida.

 Todos nós possuímos necessidade de exercer atividades de automanutenção, de autocuidado e de lazer. 

Um sofrimento considerável pode surgir se uma pessoa é privada de qualquer uma ou várias dessas esferas e, ao ignorar isso, o profissional de Saúde deixa de abordar uma importante causa de sofrimento. 

Toda pessoa tem um corpo com uma organicidade e anatomia singular composto por processos físicos, fisiológicos, bioquímicos e genéticos que o caracterizam. 

Mas, além disso, toda pessoa tem um corpo vivido, que é muito diferente do corpo estudado na Anatomia, na Biologia e na Bioquímica. 

Cada um tem uma relação com o próprio corpo que envolve história pessoal, pontos de exteriorização de emoções, formas de ocupar o espaço e de se relacionar com o mundo.

 O corpo é ao mesmo tempo dentro e fora de mim, podendo ser fonte de segurança e orgulho, ou de ameaça e medo. 

Toda pessoa tem uma autoimagem, ou seja, como ela atualmente se vê em relação a seus valores, a seu mundo, a seu corpo, e àqueles com quem ela se relaciona. 

Toda pessoa faz coisas, e sua obra no mundo também faz parte dela. 

Toda pessoa tem hábitos, comportamentos regulares dos quais pouco se dá conta, que afetam a própria vida e a dos outros e que podem ser afetados por problemas de saúde. 

Toda pessoa tem um mundo inconsciente, de modo que faz e vive um grande número de experiências que não sabe explicar como e por quê. 

Toda pessoa tem uma narrativa de si e uma dos mundos, algo que junte todas as experiências de vida passadas, presentes e o que se imagina do futuro, em um todo, que “faça sentido” para aquela pessoa. 

Quase toda pessoa tem uma dimensão transcendente, que se manifesta na vida diária com valores que podem ou não ter a ver com religião. 

É a dimensão que faz com que a pessoa se sinta como parte de algo atemporal e ilimitado, maior que sua vida comum – seja Deus, a história, a pátria ou qualquer coisa que ocupe esse lugar na vida de um indivíduo. E assim por diante, em uma lista tão grande quanto à complexidade e à criatividade de cada vida. 

À medida que as pessoas interagem com os ambientes em que vivem, essas esferas, que compõem as pessoas, vão se constituindo e formando sua própria história, cada uma seguindo uma dinâmica própria com regras e parâmetros para um modo de viver específico. 

Paralelamente, as esferas influenciam umas às outras, e cada uma ao conjunto que é a pessoa, ou seja, embora autônomas, são interdependentes. 

Podemos visualizá-las como um grupo de bolas magnéticas de diferentes tamanhos, as quais se mantêm acopladas, unidas, porém sem perder suas existências individuais, formando algo como um grande cacho de uvas. 

Em suas dinâmicas particulares estabelecem relações de complementariedade, de concorrência, de antagonismos, de sinergias, de sincronias e dissincronias, de mútua alimentação, de saprofitismos, parasitismos etc

O todo dessas esferas e todas suas relações compõem o que chamamos de uma pessoa, que pode se apresentar dos modos os mais distintos e aparentemente incongruentes ou incoerentes, mas a estabilidade fluida dessas esferas que giram e rodam umas sobre as outras, constituindo um sistema aberto, nos dá a sensação de identidade. 

A identidade é vivida e percebida pela preservação de um conjunto de correlações entre tais esferas, que embora estejam em constante movimento, tende a manter um conjunto mais ou menos regular de correlações entre si, o que nos explica porque sentimos que somos os mesmos embora saibamos que nos transformamos a cada dia. 

  • Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus.

O que é o sofrimento? 

Pois bem, é sobre essa pessoa complexa, descrita anteriormente, que emergem os fenômenos os quais damos o nome de doenças. 

Deixando as questões causais e as redes de determinações, podemos entender a doença como sendo o surgimento de uma nova dimensão, uma nova esfera no conjunto preexistente. 

Esta nova esfera vai influir nas outras esferas de acordo com as relações que se estabelecerem entre elas e pelos deslocamentos e modificações das correlações prévias.

Sofrimento não é o mesmo que dor, embora a dor possa levar a um sofrimento, mas não é qualquer dor que nos faz sofrer. 

Da mesma forma, o sofrimento não equivale a uma perda, embora as perdas possam, ocasionalmente, nos fazer sofrer. Sendo assim, partindo desta perspectiva multidimensional e sistêmica proposta por Cassell, podemos entender o sofrimento como essa vivência da ameaça de ruptura da unidade/identidade da pessoa. 

Tal modelagem nos permite que a abordagem do sofrimento psíquico 

– seja ele enquadrado nas situações descritas como sofrimento mental comum ou nos casos de transtornos graves e persistentes, como as psicoses 

– possa adquirir maior inteligibilidade e estratégias de ação mais racionais, abrangentes, e menos iatrogênicas. 

Frente a este objeto, as intenções, os objetivos e as metas por trás das ações do profissional de Saúde se modificam. Sendo assim, torna-se fundamental para o profissional da AB manter-se atento às diversas dimensões do sujeito que se apresenta a sua frente. 


O que é cuidado? 

Tendo em vista que cada pessoa é um conjunto de dimensões diferentes com relações distintas entre cada esfera, devemos, em cada encontro com a pessoa que sofre, dar atenção ao conjunto dessas esferas, em uma abordagem integral, e assim identificar quais transformações ocorreram, como cada mudança influiu em cada uma das esferas, quais correlações estão estagnadas ou ameaçadas, enfim, o que está provocando adoecimento e o que está em vias de causar adoecimento. 

Da mesma forma, devemos identificar que esferas ou relações propiciam mais movimento, estabilidade e coesão ao conjunto. Poderemos então elaborar estratégias de intervenção em algumas ou várias dessas esferas, dentro de uma sequencia temporal, e buscando reintroduzir uma dinâmica de dissipação das forças entrópicas para reduzir o sofrimento e promover a retomada da vida. 

O esforço em realizar esse exercício com os usuários e os familiares pode se chamar de Projeto Terapêutico Singular. Ou seja, um projeto terapêutico é um plano de ação compartilhado composto por um conjunto de intervenções que seguem uma intencionalidade de cuidado integral à pessoa

Neste projeto, tratar das doenças não é menos importante, mas é apenas uma das ações que visam ao cuidado integral. Um Projeto Terapêutico Singular deve ser elaborado com o usuário, a partir de uma primeira análise do profissional sobre as múltiplas dimensões do sujeito. 

Cabe ressaltar que esse é um processo dinâmico, devendo manter sempre no seu horizonte o caráter provisório dessa construção, uma vez que a própria relação entre o profissional e o usuário está em constante transformação. 

É difícil resistir à tendência de simplificações e à adoção de fórmulas mágicas. Mesmo quando nos propomos a transformar nossa prática em algo aberto e complexo, enfrentaremos dificuldade e angústia por não saber lidar com situações novas.

Carregamos conosco nosso passado de formação reducionista (seja biológica ou psicológica) e frente ao desconhecido podemos nos sentir impotentes, de modo que é fácil recair em explicações simplistas, que nos permita agir de acordo com um esquema mental de variáveis seguras e conhecidas. 

Ao focarmos no sofrimento, corremos assim o risco, enquanto profissionais de Saúde, de negligenciar as dimensões da pessoa que esteja indo bem, que seja fonte de criatividade, alegria e produção de vida, e ao agir assim, podemos influenciá-la também a se esquecer de suas próprias potencialidades. 

Quando alguém procura um serviço de Saúde, acredita-se estar com um problema que algum profissional deste serviço possa resolver. Cabe ao profissional de Saúde estar atento ao problema, porém sem perder de vista o todo, de modo que possa com cada sujeito perceber e criar novas possibilidades de arranjo para lidar com o problema. 

O profissional de Saúde não deve olhar fixamente para o sofrimento ou a doença, ou apenas a queixa, mas deve se lembrar que seu trabalho é produzir vida de forma mais ampla, e para isso cuidar de maneira integral. 

Interdependência: Sofrimento de pessoas, famílias, comunidades, territórios 

Convidamos o leitor a um rápido exercício de visualização. 

Exploramos largamente a modelagem de pessoa como um conjunto de dimensões interdependentes, um sistema aberto, que mantém certa estabilidade e noção de unidade, mas em constante transformação. Se olharmos com atenção, perceberemos que as famílias podem ser compreendidas da mesma forma, sendo as dimensões compostas por cada membro da família, a casa, as ruas, os animais de estimação etc. 

O mesmo se aplica à comunidade, que engloba cada pessoa em suas famílias e em outras redes de relações como: 
  • ruas, 
  • escolas, 
  • templos religiosos, 
  • parques, 
  • sistema político, 
  • financeiro etc. 

Se formos além, podemos ver relações entre cidades, estados, países, planetas, e enfim, todo o universo

Podemos olhar muito de perto, dentro de cada pessoa, o conjunto de células, de estruturas internas às células, de moléculas, átomos, partículas subatômicas etc. 

Neste conjunto de interconexões, o profissional de Saúde não está fora, como um cientista em seu laboratório poderia acreditar que está. 

Cada profissional é também uma pessoa, um conjunto de dimensões interdependentes, e está relacionado ao meio em que vive também em uma relação de interdependência.

Sua história, seus medos e seus próprios sofrimentos estarão lá quando estiver em contato com cada usuário, e é justamente por também ter todas essas dimensões que é possível perceber a existência delas no outro. 

Da mesma forma, cada encontro faz com que o conjunto coeso da pessoa que é o profissional também se modifique um pouco, e cada ação executada pelo profissional cria algum nível de transformação não só no usuário atendido, mas na família, na comunidade e no próprio serviço de Saúde. 

Territórios existenciais e coesão social Atenção Básica prima pela organização territorial dos serviços de Saúde. 

A concepção de território com a qual iremos trabalhar engloba a dimensão da subjetividade e contribui para enriquecer as possibilidades de abordagens de território no campo da Saúde. 

O território é um componente fundamental na organização dos serviços da Atenção Básica, pois é a partir deles que se estabelecem limites geográficos e de cobertura populacional que ficam sob a responsabilidade clínica e sanitária das equipes de Saúde. 

Mas a noção geográfica de território, enquanto espaço físico com limites precisos, não é suficiente para dar conta da sociodinâmica que as pessoas e os grupos estabelecem entre si. 

A noção de território-vivo, de Milton Santos, considera as relações sociais e as dinâmicas de poder que configuram os territórios como lugares que tomam uma conotação também subjetiva. 

Na Saúde também utiliza-se a concepção de territórios existenciais de Guattari (1990).

 Os territórios existenciais, que podem ser individuais ou de grupo, representam espaços e processos de circulação das subjetividades das pessoas. São territórios que se configuram/desconfiguram/reconfiguram a partir das possibilidades, agenciamentos e relações que as pessoas e grupos estabelecem entre si. 

Incorporar a concepção de territórios existenciais implica considerar não apenas as dimensões subjetivas daqueles que são cuidados, os usuários, mas também a subjetividade dos trabalhadores de Saúde. 

E trabalhar com saúde pressupõe que os próprios trabalhadores de Saúde permitam deslocamentos em seus territórios existenciais, já que a principal ferramenta de trabalho em saúde mental é a relação. 

A coesão social tem sido sugerida como um indicador de saúde dessas coletividades.

 Entre as situações que podem ameaçar a coesão social, encontramos: 
  • a desigualdade socioeconômica; 
  • as migrações; 
  • a transformação política e econômica; 
  • as novas culturas do excesso; 
  • o aumento do individualismo e do consumismo; 
  • as mudanças nos valores tradicionais; 
  • as sociedades em situação de conflito ou pós-conflito; 
  • a urbanização rápida; 
  • o colapso do respeito à lei e a economia local baseada nas drogas (ONU, 2012).

 Algumas respostas possíveis às ameaças da coesão social passam: 

  • pela ampliação e articulação de políticas públicas intersetoriais, 
  • pelo estímulo dos grupos comunitários existentes e 
  • pela melhoria das condições sociais em geral. 

A Atenção Básica também tem contribuições nesse campo, sobretudo por meio do desenvolvimento de tecnologias leves e intervenções que possibilitem a configuração/ desconfiguração/reconfiguração dos territórios existenciais individuais e coletivos.

Deslocar o olhar da doença para o cuidado, para o alívio e a ressignificação do sofrimento e para a potencialização de novos modos individuais e grupais de estar no mundo aponta na direção de concepções positivas de saúde mental. 

E alguns indicadores que podem ser levados em consideração neste sentido incluem: 

a) o desenvolvimento de novos modos de grupalidade, de maneira a estimular uma maior participação das pessoas nas decisões de um grupo, na produção de benefícios que extrapolem os interesses pessoais e na ampliação da autonomia desse grupo; 

b) a valorização da criatividade com o exercício do pensamento divergente, das atividades simbólicas e abstratas e da interação social; 

c) a utilização do tempo livre, o tempo de lazer e repouso; 

d) o desenvolvimento de uma consciência social que aborde, de maneira crítica, os problemas individuais, grupais e sociais em geral (ROSSI, 2005). 

As questões aqui apresentadas implicam em considerar que há dimensões individuais, grupais e sociais na produção do sofrimento e que, portanto, também as respostas devem focar intervenções nesses diferentes âmbitos. 

Ao longo dos próximos capítulos que vocês irão encontrar no blog, iremos aprofundar as perspectivas aqui apresentadas e oferecer elementos que ajudem a compor uma caixa de ferramentas diversificada para que os profissionais que atuem em Atenção Básica possam dar conta de diversas situações de sofrimento, incorporando as diferentes esferas das pessoas, famílias e comunidades nas estratégias de cuidado. 

 A abordagem da Redução de Danos na Atenção Básica A Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2012) inclui: 
  • entre o conjunto de ações que caracteriza uma atenção integral à saúde 
  • a promoção e a proteção, 
  • a prevenção de agravos, 
  • o diagnóstico, 
  • o tratamento, 
  • a reabilitação, 
  • a redução de danos e 
  • a manutenção da saúde. 

A inclusão da redução de danos como uma das ações de Saúde desta política pressupõe sua utilização como abordagem possível para lidar com diversos agravos e condições de saúde. 

Atuar em uma perspectiva da redução de danos na Atenção Básica pressupõe a utilização de tecnologias relacionais centradas no acolhimento empático, no vínculo e na confiança como dispositivos favorecedores da adesão da pessoa, conforme já apresentado no tópico sobre Projeto Terapêutico Singular. 

Assim, embora a estratégia de redução de danos seja tradicionalmente conhecida como norteadora das práticas de cuidado de pessoas que tem problemas com álcool e outras drogas, esta noção não se restringe a esse campo por ser uma abordagem passível de ser utilizada em outras condições de saúde em geral. 


Há, portanto, duas vertentes principais a respeito da Redução de Danos (COMTE et al., 2004): 

1) a Redução de Danos compreendida como uma estratégia para reduzir danos de HIV/DST em usuários de drogas e 

2) a Redução de Danos ampliada, concebida como conceito mais abrangente, no campo da Saúde Pública/Saúde Coletiva, por abarcar ações e políticas públicas voltadas para a prevenção dos danos antes que eles aconteçam (DIAS et al., 2003).

 Apesar das diferenças apontadas entre essas perspectivas, um ponto em comum a ambas é a construção de ações de redução de danos tomando como fundamental a valorização do desejo e das possibilidades dos sujeitos para os quais estão orientadas essas ações. Ou seja, ambas as perspectivas pressupõem o diálogo e a negociação com os sujeitos que são o foco da ação. 

 Essa centralidade no sujeito, considerando seus desejos e possibilidades, caracteriza a redução de danos como uma abordagem em saúde menos normalizadora e prescritiva, pois se evita ditar ou impor, a partir da autoridade profissional, quais seriam as escolhas e atitudes adequadas ou não a serem adotadas

Assim, atuar em uma perspectiva de redução de danos na Atenção Básica pressupõe a utilização de tecnologias relacionais centradas no 
  • acolhimento empático, 
  • no vínculo e 
  • na confiança como dispositivos favorecedores da adesão da pessoa, aspectos já apresentados no tópico sobre Projeto Terapêutico Singular. 

Considerando especificamente a atenção aos problemas de álcool e outras drogas, a estratégia de redução de danos visa minimizar as consequências adversas criadas pelo consumo de drogas, tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos usuários e seus familiares. 

Nessa perspectiva, a redução de danos postula intervenções singulares que podem envolver o uso protegido, a diminuição desse uso, a substituição por substâncias que causem menos problemas, e até a abstinência das drogas que criam problemas aos usuários (VIVA COMUNIDADE; CRRD, 2010). 

Também é necessário trabalhar o estigma que a população, os trabalhadores de Saúde e os próprios usuários de drogas têm sobre esta condição, de maneira a superar as barreiras que agravam a sua vulnerabilidade e marginalidade e dificultam a busca de tratamento. 

Lidar com os próprios preconceitos e juízos sobre o que desperta o consumo de drogas é fundamental para poder cuidar das pessoas que precisam de ajuda por esse motivo.

 A clandestinidade associada ao uso de drogas ilícitas cria medo, dificulta a busca de ajuda e agrava o estado de saúde física e psíquica dessas pessoas. 

Um aspecto relevante na utilização de abordagens de redução de danos tanto para problemas de álcool e outras drogas quanto para outras condições crônicas é sua centralidade no que a pessoa que busca ajuda deseja e consegue fazer para lidar com seu problema. 

Desse modo, por meio da redução de danos é possível cuidar dos problemas de saúde de maneira menos normalizadora e prescritiva, evitando ditar quais seriam os comportamentos adequados ou não. 

Operar em uma lógica de redução de danos também exige trabalhar com a família da pessoa que usa drogas, que muitas vezes é quem procura os serviços de Atenção Básica. 

Acolher o familiar e ofertar possibilidade de apoio inserindo-o em atividades coletivas como grupos de terapia comunitária podem ajudá-lo a lidar com o sofrimento.

Diversas são as ações de redução de danos possíveis de realizar com usuários de álcool e outras drogas na Atenção Básica em Saúde e nos demais serviços da Rede de Atenção Psicossocial. Mesmo naqueles casos em que a situação parece complexa e sem muitas alternativas. Pessoas com problemas com drogas geralmente não buscam as unidades de Saúde espontaneamente. 

São seus familiares que costumam buscar ajuda. 

Uma maneira de aproximar-se destes usuários pode ser por meio de visitas domiciliares e agendamentos de consultas para uma avaliação clínica mais geral, não necessariamente abordando seu problema com drogas. 

A criação de vínculo deve ser a meta inicial. 

A construção de uma proposta de redução de danos deve partir dos problemas percebidos pela própria pessoa ajudando-a a ampliar a avaliação de sua situação. 

No caso de pessoas com problema em relação ao álcool, podem se sugerir cuidados de praxe como:
  • não beber e dirigir; 
  • alternar o consumo de bebida alcoólica com alimentos e bebidas não alcoólicas; 
  • evitar beber de barriga vazia; 
  • beber bastante água, optar por bebidas fermentadas às destiladas, entre outras sugestões

Usuários de crack podem ser orientados a não compartilhar cachimbos, pois possuem maior risco de contrair doenças infectocontagiosas caso tenham feridas nos lábios, geralmente ressecados pelo uso do crack e queimados pelo cachimbo. 

Casos complexos exigem criatividade e disponibilidade da equipe de Saúde para a oferta de cuidado. 

Por exemplo, um usuário de crack em situação de rua, com tuberculose ou Aids e baixa adesão ao tratamento medicamentoso pode ser estimulado a um tratamento supervisionado, negociando-se o fornecimento da alimentação diária no momento da administração da medicação, na própria unidade de Saúde. 

E nos finais de semana é possível articular uma rede de apoio que possa assumir este cuidado. 

Muitos outros desdobramentos são possíveis adotando a perspectiva da redução de danos, dependendo das situações e dos envolvidos. E uma determinada linha de intervenção pode ter seu escopo ampliado à medida que o vínculo é ampliado. Assim, a redução de danos nos coloca ante questões gerais às demais intervenções de saúde como a necessidade de reflexão sobre o que norteia a produção do cuidado. 

Um cuidado emancipatório pautado pela ampliação dos gradientes de autonomia visa ajudar a pessoa a desvelar e lidar com suas escolhas. 

Um cuidado tutelar, disciplinador, prescritivo e restritivo predetermina e estabelece, a partir de critérios externos, aquilo que a pessoa deve fazer e como deve se comportar (MERHY, 2007). 

Em síntese, a adoção da perspectiva da redução de danos pressupõe uma abertura para o diálogo, a reflexão, os questionamentos e a avaliação contínua das intervenções.

Abordagens baseadas na redução de danos implicam em levar em conta a vulnerabilidade das pessoas e dos coletivos. 

A noção de vulnerabilidade, compreendida enquanto o resultado de interações que determinam a maior ou menor capacidade de os sujeitos se protegerem ou se submeterem a riscos, possibilita a singularização das intervenções e converge com as ideias já apresentadas, a respeito do Projeto Terapêutico Singular (PTS) (OLIVEIRA, 2000). 

O PTS e a redução de danos ajudam, assim, a operacionalizar a perspectiva de uma clínica ampliada, que possibilita a emergência de dimensões subjetivas e a reconfiguração dos territórios existenciais, tanto dos trabalhadores em saúde quanto daqueles que eles cuidam. 

A dimensão processual desse modo de produção do cuidado ancora, mas, ao mesmo tempo, projeta a construção da integralidade em saúde na perspectiva de autonomia e emancipação dos sujeitos e coletivos. O que é família? 

Antes de qualquer proposição de trabalho com família, necessário será entender o que é família em sua complexidade, suspendendo juízos de valor, conceitos fechados, lineares e prontos, os quais produzem uma concepção reducionista de família. 

Pode ser útil compreender família como um sistema aberto e interconectado com outras estruturas sociais e outros sistemas que compõem a sociedade, constituído por um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidado (proteção, alimentação, socialização), estabelecem vínculos afetivos, de convivência, de parentesco consanguíneo ou não, condicionados pelos valores socioeconômicos e culturais predominantes em um dado contexto geográfico, histórico e cultural

Cada família é uma família na medida em que cria os seus próprios problemas e estrutura as suas formas de relação, tendo suas percepções, seus vínculos e suas especificidades próprias. 

Não existe família enquanto conceito único; existem “configurações vinculares íntimas que dão sentimento de pertença, habitat, ideais, escolhas, fantasias, limites, papéis, regras e modos de se comunicar que podem (ou não) se diferenciar das demais relações sociais do indivíduo humano no mundo” (COSTA, 1999, p. 76). 

 Mas, “a família, seja ela qual for, tenha a configuração que tiver é, e será, o meio relacional básico para as relações no mundo, da norma à transgressão dela, da saúde à patologia, do amor ao ódio” (COSTA, 1999, p. 78). 

Cada família tem uma cultura própria em que circulam seus códigos: 
  • normas de convivência,
  • regras ou acordos relacionais, 
  • ritos, 
  • jogos, 
  • crenças ou mitos familiares, com um modo próprio de expressar e interpretar emoções e comunicações. 

As ações são interpretadas em um contexto de emoções e de significados pessoais, familiares e culturais mais amplos. 

Tais emoções geram ações que formam o enredo do sistema familiar e constroem a história singular de cada família, que se transforma com o tempo, com a cultura e com as mudanças sociais. 

Dessa forma, o tema Família refere-se a uma realidade muito próxima a cada um de nós. 

O significado, o sentido, os sentimentos despertados são diferentes de acordo com a experiência de cada um e sua história familiar

Isso, muitas vezes, dificulta a percepção e o entendimento dos profissionais de Saúde em relação às configurações familiares dos usuários, pois suas referências individuais, culturais e sociais são diferentes. 

O olhar, o escutar, o observar, o perceber e o entender a diversidade da forma de viver em família são fortemente influenciados pelas concepções de família, pelas crenças e valores de cada profissional, mas essas barreiras culturais e de comunicação podem ser enfrentadas a partir de uma abordagem que favoreça a reflexão, o diálogo, a escuta e o acolhimento do usuário. 

Família e sofrimento psíquico: o desafio do protagonismo familiar 


A reforma psiquiátrica brasileira traz imensas contribuições na forma de conceber e perceber a família no contexto do cuidado em saúde mental. Antes de sua implementação, a forma de tratamento disponível para as pessoas em sofrimento psíquico era baseada no isolamento e na exclusão, sendo os sujeitos privados do contato com sua família e com a sociedade. 

Não havia investimentos na mobilização das famílias como participantes importantes no tratamento, já que o indivíduo era visto de maneira isolada e como doente. 

A principal diretriz da Política Nacional de Saúde Mental, inspirada na reforma psiquiátrica brasileira, consiste na redução gradual e planejada de leitos em hospitais psiquiátricos, priorizando concomitantemente a implantação de serviços e ações de saúde mental de base comunitária, capazes de atender com resolubilidade os pacientes que necessitem de atenção (BRASIL, 2005). 

Dentro dessa perspectiva, a família é requisitada como parceira dos novos serviços e reafirmada como um dos possíveis espaços do provimento de cuidado (ROSA, 2004), passando a ser concebida como necessária e aliada no cuidado de seu familiar em sofrimento psíquico. 

Dessa forma, o que se almeja não é simplesmente a transferência da pessoa com sofrimento mental para fora dos muros do hospital, entregando-o aos cuidados de quem puder assisti-lo ou largando-o à própria sorte. 

Espera-se o resgate ou o estabelecimento da sua cidadania, “o respeito a sua singularidade e subjetividade, tornando-o como sujeito de seu próprio tratamento sem a ideia de cura como o único horizonte. Espera-se, assim, a autonomia e a reintegração do sujeito à família e à sociedade” (GONÇALVES; SENA, 2001, p. 51). 

Os profissionais de Saúde, em muitas situações, esperam que a família aceite e cuide da pessoa em sofrimento psíquico intenso sem se dar conta de que não estão lhe oferecendo suporte nem orientações (KOGA, 1997); ou percebem o familiar como um simples informante das alterações apresentadas pela pessoa em tratamento, que deve seguir passivamente suas prescrições de tratamento. 

Considerar a família como protagonista do cuidado reabilitador é um verdadeiro desafio. Ao acolher suas demandas e dificuldades de convívio com um familiar em sofrimento psíquico intenso, o profissional promove o suporte possível para as solicitações manifestas (COLVERO et. al., 2004). 

Essas famílias possuem demandas das mais variadas ordens, entre elas: a dificuldade de lidar com as situações de crise, com os conflitos familiares emergentes, com a culpa, com o pessimismo por não conseguir vislumbrar saídas para os problemas, pelo isolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da vida cotidiana, pelas complexidades do relacionamento com esse familiar, pela expectativa frustrada de cura e pelo desconhecimento da doença propriamente dita (COLVERO et. al., 2004). 

Torna-se fundamental considerar que o provimento de cuidado doméstico à pessoa com sofrimento psíquico é um trabalho complexo, historicamente retirado da família e que agora lhe está sendo restituído. Esse cuidado requer disponibilidade, esforço, compreensão, capacitação mínima, inclusive para que os cuidadores encontrem estratégias para lidar com frustrações, sentimentos de impotência e culpa, ou seja, com suas próprias emoções. 

A lógica da Atenção Básica à saúde e os recursos para o trabalho com a família enquanto protagonista do cuidado A Estratégia Saúde da Família (ESF), eixo estruturante da Atenção Básica à Saúde, concebe a família de forma integral e sistêmica, como espaço de desenvolvimento individual e grupal, dinâmico e passível de crises, inseparável de seu contexto de relações sociais no território em que vive. 

A família é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do processo de cuidado e de promoção da saúde pelas equipes de Saúde da Família. Na ESF o vínculo entre os profissionais de Saúde, a família e a comunidade é concebido como fundamental para que as ações da equipe tenham impacto positivo na saúde da população. 

Esse vínculo de confiança vai sendo fortalecido por meio da escuta, do acolhimento, da garantia da participação da família na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS), da valorização da família enquanto participante ativa do tratamento etc. 

Na metodologia de trabalho das equipes de SF, o cadastramento das famílias e o diagnóstico da situação de saúde da população permitem que os profissionais prestem atenção diferenciada às famílias em situação de risco, vulnerabilidade e/ou isolamento social. 

As famílias com pessoas em sofrimento psíquico intenso e usuárias de álcool e outras drogas necessitam de atenção especial, e um primeiro passo nesse sentido é instrumentalizar os agentes comunitários de Saúde (ACS) na identificação dessas situações. Vecchia e Martins (2009) ressaltam que a estratégia de atender prioritariamente as famílias com maiores dificuldades psicossociais é importante, desde que tal priorização não produza estigmatizações, levando em consideração o dinamismo e a complexidade da vida de cada família. 

A Estratégia Saúde da Família, por ter como ação as visitas mensais aos moradores de uma determinada área, possibilita que pessoas e famílias em situação de maior risco sejam atendidas. 

Podem ser pessoas que não comparecem às consultas, que não solicitam ajuda (por exemplo, as que fazem uso prejudicial de drogas), que sofrem atos de violência, que estão em risco de suicídio ou em cárcere privado. Enfim, pessoas que muito necessitam e pouco ou nada demandam (LANCETTI, 2006). 

Outro aspecto fundamental diz respeito ao prontuário familiar, que contém os prontuários individuais e é utilizado por todos os membros da equipe de Saúde. 

Essa organização facilita o acesso a todas as informações da família, sua história, queixas ou motivos das consultas, atenção recebida, problemas e formas de enfrentamento, dinâmica de relacionamento familiar etc. 

As reuniões de equipe possibilitam a discussão de casos, o planejamento e avaliação de ações, a troca de conhecimentos, a abordagem interdisciplinar, constituindo-se em mais um recurso fundamental do cuidado em saúde mental. 

O acolhimento é outro recurso, transversal a todas as práticas, percebido como importante na construção de uma postura profissional baseada em receber, escutar e tratar de forma humanizada as famílias e suas demandas. 

Acolhimento implica também na responsabilização dos profissionais pela condução da proposta terapêutica e na corresponsabilização das famílias por sua saúde (KENNETH et. al. 2004). 

Por fim, é importante que as equipes de Atenção Básica garantam a participação da família na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada paciente, além de estimularem-na a participar de debates sobre o tema em reuniões dos conselhos locais e nas conferências de Saúde. 

 Assim, a família também contribuirá na construção, na implementação e no acompanhamento de políticas públicas de atenção à saúde mental. Em síntese, as equipes de SF têm um campo fértil para trabalharem de forma integral e participativa com pessoas em sofrimento psíquico e suas famílias, apesar da abundância de práticas contrárias ao que estamos propondo, isto é, práticas centradas no indivíduo, que fragmentam o sujeito, especialismos etc. 



Nos cursos de graduação da área da Saúde, estudos sobre família e ferramentas que auxiliem seu acompanhamento são muito pouco comuns, o que impõe sérios limites quando os profissionais de Saúde se veem diante da necessidade de realizar intervenções baseadas em uma abordagem familiar. 

A educação permanente tem se configurado uma importante estratégia de enfrentamento dessas dificuldades. 

Uma forma especialmente interessante de educação permanente é o apoio matricial oferecido pelas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) – que se constitui em retaguarda especializada para as equipes de SF. 

Essa parceria entre ambas as equipes é concebida sob a forma de corresponsabilização pelos casos e se desenvolve por meio de discussões e consultas conjuntas, construção de projetos terapêuticos singulares, intervenções com as famílias e as comunidades, realização de grupos, discussão de casos clínicos etc. 

Abordagem familiar: ferramentas e recomendações Para uma abordagem familiar é importante aliar conhecimentos científicos e tecnológicos às habilidades de observação, comunicação, empatia e intervenção, o que requer aperfeiçoamento de competências profissionais. 

Na abordagem familiar, considera-se que a saúde da família vai além da soma da saúde dos indivíduos. Sendo assim, espera-se que a equipe de Atenção Básica à Saúde seja capaz de identificar e desenvolver as seguintes especificidades: 

– Conceituar família e considerar sua complexidade. 
– Cuidar com base na experiência da família ao longo do tempo, ou seja, sua história pregressa, atual e perspectivas futuras. 
– Trabalhar com todos da família, tanto doentes como sadios. 
– Que a família enquanto um sistema é afetada pela mudança de qualquer um de seus membros. 
– Reconhecer que a pessoa mais sintomática (doente) da família também pode mudar com o tempo. 
– Promover apoio mútuo e compreensão entre os membros da família sempre que possível. 
– Levar em conta o contexto social e cultural da família na facilitação de suas relações com a comunidade. 

Outro aspecto importante é a contradição família pensada versus família vivida e a sua outra face família estruturada versus família desestruturada, apoiada em uma visão sistêmica inclusiva e não conservadora que reconhece múltiplas estruturas familiares que nada mais são do que formas diferentes de ser família e que vão ganhando contornos específicos por intermédio do tempo e das peculiaridades do espaço geográfico, social e cultural (SOARES; PAGANI; OLIVEIRA, 2005).

Consolidada tal compreensão, os profissionais terão critérios para avaliar o enredo, a estrutura e a dinâmica do sistema familiar, elaborando um plano de trabalho multidisciplinar com as estratégias mais adequadas e possíveis. 

Sugerem-se formas de atuação da equipe que fortaleçam: 
(1) a competência da família em garantir a sobrevivência material dos seus membros utilizando sua rede social primária (parentes, amigos e vizinhos), as instituições e as redes sociais comunitárias; 
(2) suas relações afetivas e novas possibilidades de agir, pensar e conviver; 
(3) sua participação social e comunitária enquanto exercício de cidadania. 

Essa atuação pode ser realizada de diferentes maneiras, como: 

– Oferecimento de acolhimento, escuta regulares e periódicas; 
– Grupos de orientação aos familiares;
 – Grupos de cuidado aos cuidadores; 
– Intervenções domiciliares que diminuam a sobrecarga da família cuidadora; 
– Oferecimento de dispositivos da rede social de apoio onde os familiares cuidadores de pessoas com sofrimento psíquico possam ter garantido também espaços de produção de sentido para sua vida, vinculadas a atividades prazerosas e significativas a cada um.


Aqui exemplificamos algumas ferramentas úteis para o trabalho com família. Vale ressaltar que devido às diversidades e às singularidades, muitas vezes será necessário buscar outras ferramentas ou até mesmo criar sua própria ferramenta de trabalho com família.



I: ENTREVISTA FAMILIAR: 

Objetiva realizar a caracterização do sistema familiar (estrutura, desenvolvimento e funcionamento familiar, condições materiais de vida, estado de saúde dos integrantes, rede social da família etc.).

 II: GENOGRAMA: 

O Genograma Familiar é uma representação gráfica da família. Identifica suas relações e ligações dentro de um sistema multigeracional (no mínimo três gerações). Instrumento amplamente utilizado na Terapia Familiar, na formação de terapeutas familiares, na Atenção Básica à Saúde e, mais recentemente, em pesquisas sobre família (CARTER; MCGOLDRICK, 1995; MINUCHIN, 1999). 

III. ECOMAPA: 

O Ecomapa, tal como o Genograma, integra o conjunto dos instrumentos de avaliação familiar. Entretanto, enquanto o Genograma identifica as relações e ligações dentro do sistema multigeracional da família, o Ecomapa identifica as relações e ligações da família com o meio onde ela vive. Foi desenvolvido em 1975 por Ann Hartman. É uma representação gráfica do sistema ecológico da família. Identifica os padrões organizacionais da família e a natureza das suas relações com o meio, mostrando-nos o equilíbrio entre as necessidades e os recursos da família. 

IV. F.I.R.O: 

Fundamental Interpersonal Relations Orientation (Orientações Fundamentais nas Relações Interpessoais): Objetiva compreender melhor o funcionamento da família estudando as suas relações de poder, comunicação e afeto. A família é estudada nas dimensões de inclusão, controle e intimidade. Essa ferramenta é bastante útil quando a família se depara com situações que provocam crises familiares e demandam negociações e alterações de papéis entre os seus membros, tais como problemas de saúde, mudanças, doenças agudas e crônicas, hospitalizações etc. Também é utilizada na avaliação de problemas conjugais ou familiares, para entender como a família está lidando com alterações no ciclo da vida (WILSON; TALBOT; LIBRACH, 1996). 


V. P.R.A.C.T.I.C.E. 

Objetiva a avaliação do funcionamento da família de um paciente específico. Fornece informações sobre a organização familiar e o posicionamento da família diante dos problemas enfrentados, possibilitando o manejo daquele caso específico. Essa ferramenta foca no problema, permite uma aproximação esquematizada para trabalhar com a família, facilita a coleta de informações e a elaboração da avaliação com construção de intervenção (MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002).

  • Presenting problem (problema apresentado) 
  • Roles and structure (papéis e estrutura) Affect (afeto) 
  • Comunication (comunicação) 
  • Time of life cycle (fase do ciclo de vida) 
  • Illness in Family (doença na família) 
  • Copingwith stress (enfrentamento do estresse) 
  • Ecology (meio ambiente, rede de apoio) 

VI. DISCUSSÃO E REFLEXÃO DE CASOS CLÍNICOS: 

Discussão e reflexão de casos com equipe multiprofissional - discussão dos casos clínicos, estudo de caso etc. 


VII. PROJETO TERAPÊUTICO DE CUIDADO À FAMILIA: 

Algumas recomendações para o trabalho com família Solymos, Maricondi e Soares (2009) apontam que o profissional que trabalha com família precisa aperfeiçoar em si mesmo os seguintes aspectos fundamentais: uma existência sem preconceitos, a disponibilidade para os outros e a capacidade de se desfocar do problema. 

Permite conhecer e construir um projeto terapêutico de cuidado para a família. O Projeto Terapêutico é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas a partir da discussão em equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário, e com a participação da família na sua elaboração.

Algumas recomendações para o trabalho com família Solymos, Maricondi e Soares (2009) apontam que o profissional que trabalha com família precisa aperfeiçoar em si mesmo os seguintes aspectos fundamentais: uma existência sem preconceitos, a disponibilidade para os outros e a capacidade de se desfocar do problema. 

• Uma existência sem preconceitos consiste em saber agir diante dos acontecimentos da vida. Esta postura exige saber reconhecer e valorizar o que ocorre em detrimento daquilo que se deseja; interessar-se pelo cotidiano e modo de vida das pessoas e não unicamente por suas fraquezas ou doenças; acolhê-las respeitando seu ritmo e o ritmo dos acontecimentos. 

• Uma disponibilidade para os outros significa uma flexibilidade pessoal em relação aos modos, tempos e lugares das pessoas e suas famílias. 

• Uma habilidade para se desfocar do problema significa não se restringir a ele. Vale dizer, significa centrar a atenção nas possibilidades de vida que as pessoas e as famílias também têm. Desse modo nasce a percepção de que as dificuldades podem ser equacionadas paulatinamente e que a melhor intervenção é aquela que permite que a própria família assuma a responsabilidade de encontrar os meios para o seu enfrentamento. Além desses três aspectos, cabe também ressaltar algumas dicas práticas para o trabalho com família: 

• Pense em suas próprias experiências com sua família (família atual e família de origem) e rememore histórias de sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e drogas de parentes, amigos e vizinhos, identificando quais são seus valores, crenças e mitos sobre tudo isso... Faça essa reflexão individualmente e depois com a sua equipe de Saúde.

. • Evite julgamentos baseados em qualquer tipo de preconceito. Só será possível conversar com uma família em prol do seu desenvolvimento se você puder ouvi-la sem julgar ou recriminar. 

• Priorize atendimento mais imediato às famílias com maiores dificuldades psicossociais. • Identifique pessoas que podem auxiliar no cuidado em saúde mental. Pode ocorrer que essas pessoas não pertençam ao grupo familiar de origem.

 • Observe como a família se coloca no espaço físico de atendimento, ou seja, onde cada pessoa senta ou se distribui no local onde é atendida. Essa observação lhe permitirá perceber alguns aspectos dos papéis familiares. Por exemplo, um filho adulto ao se colocar ao lado da mãe e não permitir seu pai ali se situar, pode indicar uma relação simbiótica entre mãe e filho e um pai com dificuldade de ocupar o seu lugar. Perguntas muito simples podem auxiliar muito. No exemplo, a pergunta poderia ser: “como é para o senhor ceder seu lugar ao seu filho?”. 

• Observe como a família se comunica, se as mensagens são claras ou obscuras, e busque auxiliar na comunicação. 

• Auxilie a família na diminuição da culpa, do desamparo e da desesperança diante das crises e das dificuldades enfrentadas no dia a dia com a pessoa em sofrimento psíquico. Permita que tais sentimentos sejam expressos.

• Reconheça e valorize os saberes e os recursos encontrados pela família na convivência diária com o sujeito em sofrimento psíquico. 

• Fique atento(a) aos movimentos saudáveis, ainda que sejam mínimos, e discuta-os com a família. Muitas vezes, a convivência diária não permite perceber tais mudanças. 

• Construa com as famílias alternativas de mudança e de promoção dos cuidados familiares da pessoa com sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e drogas. Há um saber acumulado sobre este assunto que poderá ajudá-lo(a) muito na compreensão dos modos de ser, viver e conviver em família.

Promova sempre o diálogo e a troca de experiências entre todos, nas reuniões com a(s) família(s), nas consultas e visitas domiciliares. Desse modo, todos terão a oportunidade de se expor a mudanças e compreender o que está acontecendo. Isso amplia possibilidades de obtenção de resultados eficazes. 

• Crie o hábito de fazer anotações sobre cada atendimento realizado e, sempre que possível, discuta seu trabalho com seus colegas de equipe, compartilhando dúvidas, certezas, limites e possibilidades. Registros escritos preservam histórias, constroem histórias... 

• Não se assuste, nem reaja com base em fortes sentimentos, positivos ou negativos, que determinadas pessoas e famílias mobilizam. Nessas situações, melhor será adiar uma resposta ou conduta clínica e buscar ajuda de sua equipe de Saúde ou supervisão especializada. 

• Caso seu município possua Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Nasf ou equipes de Saúde Mental, busque discutir situações em que você tem mais dificuldade de manejo clínico. As equipes desses serviços, além de auxiliar na conduta clínica, também podem apoiar na organização e na realização de ações de saúde mental envolvendo a família no território. As visitas domiciliares são ferramentas fundamentais para o cuidado à família. Entre as questões importantes de se trabalhar nas visitas domiciliares, é importante que o profissional: 

• Identifique quem são os cuidadores da pessoa com sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e drogas, procurando envolvê-los na conversa. 

• Faça com eles uma lista dos cuidados que a pessoa com sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e drogas recebe deles. 

• Organize essa lista de cuidados classificando-os de acordo com prioridades discutidas e consensuadas entre todos: membros da equipe de Saúde e cuidadores familiares. 

• Observe e registre quais cuidados estão faltando.

Converse com os cuidadores familiares para, juntos, identificarem as causas das dificuldades e buscarem soluções alternativas. 

• Faça uma lista das pessoas, grupos e instituições que compõem a rede social da família, definindo metas para a sua ampliação, se for o caso.


Considerações finais 

Para um cuidado integral em saúde mental, a abordagem familiar é fundamental. Ela deve estar comprometida com o rompimento, com a lógica do isolamento e da exclusão, fortalecimento da cidadania, protagonismo e corresponsabilidade. Mas, estruturar uma abordagem a partir da família exige dos profissionais de Saúde abertura e visão ampliada, isto é, uma visão que acolha as diferentes constituições familiares e os diferentes sentimentos que os cuidados no campo da Saúde Mental mobilizam. 

Quando o foco é a família, torna-se fundamental a abordagem que vai além das dificuldades e de soluções previamente estabelecidas. Assim, por exemplo, uma ação de fortalecimento dos cuidados familiares à pessoa com sofrimento psíquico e/ou usuária de álcool e outras drogas não deve estar apoiada naquilo que falta; pelo contrário, a ação deve nascer do que existe de recursos e fortalezas em cada família. 

Esse modo de ver e cuidar pode representar um importante princípio orientador que estimula a participação da família no processo de enfrentamento de dificuldades, quaisquer que elas sejam. O fortalecimento das equipes de Saúde da Família é de suma importância para a saúde mental. 

A educação permanente pode impulsionar mudanças das práticas em saúde, estimulando a construção de ações mais inclusivas das populações vulneráveis, como é o caso das famílias com pessoas com sofrimento psíquico e/ou usuárias de álcool e outras drogas. 

O aprofundamento e utilização das diferentes ferramentas de abordagem familiar indicadas neste documento podem instrumentalizar as equipes no entendimento de cada família e sua inclusão como protagonistas do cuidado. 



Permite conhecer e construir um projeto terapêutico de cuidado para a família. O Projeto Terapêutico é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas a partir da discussão em equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário, e com a participação da família na sua elaboração. 



Cuidar de si mesmo com equilíbrio e compaixão não é pecado, muito pelo contrário. Uma boa alimentação, exercitar o corpo pelo menos com uma caminhada de 30 minutos, três vezes por semana, visitar uma esteticista para uma avaliação de sua pele, usar filtro solar, ter higiene apropriada com seu corpo, são cuidados que não oneram nenhum orçamento e qualquer pessoa, independentemente da situação financeira tem acesso atualmente. Manter uma disposição alegre e feliz.

“O coração bem disposto é remédio eficiente” (Provérbios 17:22).

“Porque ele é tal quais são os seus pensamentos” (Provérbios 23:7).

Muitas doenças de que sofrem as pessoas são resultados de depressão mental. Uma alegre e feliz disposição dá saúde e prolonga a vida.


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Fecundação: Os primeiros registro da matriz de todos os sentimentos de rejeição ou amor é vivido pelo ser humano, tem sua primeira experiência na FECUNDAÇÃO Por isso é necessário que a gestação seja regada de sentimentos de amor e acolhimento. Esse registro será determinante para que a pessoa apresente em sua vida características e comportamentos para toda sua vida.

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