Desamparo psíquico
Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel
Contextualizando o desamparo
A palavra desamparo foi encontrada nos escritos freudianos em
1895, no “Projeto para uma psicologia científica”, no contexto “a
experiência de satisfação”. Freud (1886-1889/1996) relata que o
recém-nascido precisa de ajuda alheia para promover a ação específica de que necessita para sua sobrevivência. Essa comunicação,
que ocorre e que se estabelece entre o bebê e a sua mãe, é de extrema
importância para o desenvolvimento emocional do infante.
O sentimento de desamparo já é sentido pela criança logo ao nascer.
O desamparo foi adquirindo várias conotações, desde a imaturidade infantil até a necessidade de dependência que o bebê tem de possuir
o objeto primário para realizar suas ações específicas.
O desamparo,
por sua vez, indica em sua essência vivida o sentimento de abandono,
que é experimentado na descoberta do eu do indivíduo com o mundo.
A figura materna tem o papel fundamental no desenvolvimento
emocional do bebê em relação ao seu mundo interno e externo.
A mãe
funciona como intérprete de suas ansiedades e medos.
Portanto, a
mãe usa as informações que são manifestadas pelo bebê e passa a
transformá-las, devolvendo-as de forma interpretativa.
Assim, uma
boa relação e comunicação fazem o bebê se sentir amparado.
De forma contrária, quando a mãe não consegue perceber a real necessidade do bebê, este pode cair em estado de desamparo psíquico.
Freud (1927-1931/1996), em “O futuro de uma ilusão”, destaca
que a mãe satisfaz a fome da criança e se torna o primeiro objeto
amoroso e fonte de proteção dos perigos externos e ansiedades. Em
seguida, a mãe é substituída pelo pai na função de proteção.
Porém,
a criança admira o pai e também o teme, por causa de sua relação
anterior com a mãe.
O homem cresce e percebe que seu destino é permanecer uma
eterna criança, que sempre precisará da proteção de poderes superiores.
Conforme a figura de um pai, o homem “[...] cria para si os seus
deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção” (Freud, 1927-1931/1996, p.33).
Podemos dizer que o homem cria Deus – e não Deus cria o homem – para se defender do desamparo infantil no adulto, estabelecendo a religião como forma de proteção dos seus próprios instintos
e ameaças externas.
Afinal, o que é desamparo psíquico?
A não compreensão da língua materna (no caso, a portuguesa) pode desencadear desamparo
psíquico no retorno dos filhos de dekasseguis ao Brasil?
Encontramos na Bíblia Sagrada, em São Mateus, versículo 46, a
passagem da morte e ressurreição de Jesus Cristo, quando ele clama
pelo Pai, implora por Sua proteção e se sente abandonado à própria
sorte.
O sentimento de desamparo já aparece esboçado nas Escrituras Sagradas.
Desde a hora de sexta, até à hora nona, as trevas envolveram toda a terra. E, cerca da hora nona, Jesus clamou em alta voz: “Elli, Elli, lema sabacthani”. Isto é: “Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste”.Alguns dos que ali se encontravam disseram ao ouvi-lo: Está a chamar por Ellias [...]. (Bíblia Sagrada, 1971-1972, p.1007)
O dicionário de português Mini Aurélio (Ferreira, 2008, p.296) define a palavra desamparo como “falta de amparo e abandono”.O Dicionário Enciclopédico Ilustrado Veja Larousse (2006, p.84) o DESAMPARO PSÍQUICO NOS FILHOS DE DEKASSEGUIS... explica como uma “condição do que ou de quem está abandonado, sem ajuda material ou moral'
Termo da linguagem comum que na teoria freudiana assume um sentido específico: estado do lactente que, dependendo inteiramente de outrem a satisfação das suas necessidades (sede, fome), se revela impotente para realizar a acção específica adequada para pôr fim à tensão interna. Para o adulto, o estado de desamparo é o protótipo da situação traumática geradora de angústia. (Laplanche; Pontalis, 1970, p.156)
Laplanche e Pontalis (1970, p.157) citam a palavra em alemão
“Hilflosigkeit”, que requer uma única tradução, e destacam da língua francesa a expressão “état de détresse”, que significa estado de
desamparo em vez de “détresse” (desamparo) por si só, por se tratar
de um dado específico:
[...] a impotência do recém-nascido humano; este é incapaz de empreender uma acção coordenada e eficaz (ver: Acção específica); foi isso que Freud designou pela expressão motorische Hilflosigkeit. Do ponto de vista econômico, tal situação resulta no acréscimo da tensão da necessidade que o aparelho psíquico não pode ainda dominar; é a psychische Hilflosigkeit. (Laplanche; Pontalis, 1970, p.157)
Como podemos notar, o conceito de estado de desamparo foi
sendo construído a partir de várias ordens.
No plano genético, Freud (1895), na primeira parte do “Projeto
de uma psicologia científica [Entwurf einer Psychologie]”, afirma que
é a partir dele que se pode compreender o valor princeps da vivência
de satisfação, a sua reprodução alucinatória e a diferenciação entre
processos primário e secundário.
O estado de desamparo, correlativo à total dependência da
criança humana em relação à mãe, implica a onipotência desta. Influencia, de forma decisiva, a estruturação do psiquismo, voltado a
constituir-se inteiramente na relação com outrem.
No quadro de uma teoria da angústia, o estado de desamparo
torna-se o protótipo da situação traumática. É assim que em “Inibição, sintoma e angústia” [Hemmung, Symptom und Angst, 1926]
Freud reconhece aos “perigos internos” uma característica comum:
perda ou separação que acarreta um aumento progressivo da tensão,
a ponto de, num caso extremo, o indivíduo se ver incapaz de dominar as excitações e ser submergido por elas – o que define o estado
gerador do sentimento de desamparo.
Freud liga explicitamente o estado de desamparo à pré-maturação do ser humano:
a sua [...] existência intrauterina parece relativamente abreviada em comparação com a da maioria dos animais; ele está menos acabado do que estes quando vem ao mundo. Por este facto, a influência do mundo exterior é reforçada, a diferenciação precoce entre o ego e o id é necessária, a importância dos perigos do mundo exterior é exagerada e o objecto, que é o único que pode proteger contra estes perigos e substituir a vida intrauterina, vê o seu valor enormemente aumentado. Este factor biológico estabelece, pois, as primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado, que nunca mais abandonará o homem. (Freud apud Laplanche; Pontalis, 1970, p.157)
Costa (2007) menciona que o termo desamparo aparece nos textos
de Freud na discussão sobre os estímulos interiores ou exteriores
que afetam o organismo do ser humano. Considera que a resposta
adequada a esses estímulos é a “ação específica” motora ou psíquica.
Sua função é cessar o estímulo pela satisfação ou pela fuga da
situação de sofrimento.
Quando isso não ocorre, o estímulo excede a
capacidade de resposta.
Entretanto, o indivíduo cai em desamparo,
podendo desencadear defesas inadequadas, ou seja, psicopatologias.
Em outro texto, o desamparo está associado à ideia de “pré-
-maturação” do ser humano.
Entre os fatores que contribuem para causar as neuroses, e que
criam as condições nas quais as forças psíquicas se medem umas às outras, três se destacam particularmente: um fator biológico, um
fator filogenético e um fator psicológico.
O fator biológico é o estado
de desamparo e de dependência muito prolongado do filhote do
homem. A existência intrauterina do homem é relativamente breve,
em relação à maioria dos animais.
Ele é menos acabado que esses
últimos, ao ser lançado ao mundo. A influência do mundo exterior
real se acha, por isso, reforçada.
A diferenciação do eu com isso é
adquirida precocemente, os perigos do mundo exterior ganham uma
importância maior e, por essa razão, o valor do objeto é aumentado,
de modo enorme, pois ele é o único a poder proteger o eu de tais perigos.
Assim, o fator biológico está na origem das primeiras situações
de perigo e cria a necessidade de ser amado, que jamais abandonará
o ser humano. (Freud, 1925-1926/1968 apud Costa, 2007, p.60)
Costa (2007) caracteriza o desamparo, nos dois contextos, como
um despreparo do organismo humano para lidar com certos estímulos do meio. Em sequência, Freud distingue o eu e o corpo.
Desamparo do organismo corporal não é a mesma coisa que
desamparo de um eu que, em situações de perigo, apela para o
objeto e cria “a necessidade de ser amado que jamais abandonará
o ser humano”.
No primeiro uso do termo, desamparo designa
estados subjetivos descritos de modo fiscalista. Freud, com ou sem
consciência, falava do indivíduo como um organismo físico. Pouco
importa se a ideia de “organismo psíquico” ou de “corpo imaginário” estava pressuposta na descrição.
O fato é que o desamparo era
assimilado ao estado de necessidade reconhecido pelo organismo de
forma reflexa e automática. Ao estarmos com fome, apanhamos o
alimento desejado por meio da “ação específica”; ao estarmos com
sede ou premidos por estímulos sexuais, fazemos o mesmo. (Costa,
2007. p.61)
A expressão “ter necessidade” é conceituada por Costa (2007)
na descrição de estados afetivos.
O autor cita exemplos de aparelhos
eletrônicos que precisam da energia para recarregar suas baterias e ter um funcionamento adequado, e não é porque dependem da energia que são desamparados.
Então, ter necessidade, especificamente
nesses casos, significa que, sem a energia regulada, os aparelhos estarão paralisados ou prejudicados, diferentemente dos estados afetivos
de “falta ou carência” caracterizados aos organismos de fala, capazes
de atos intencionais, como os organismos humanos.
Costa (2007, p.62) menciona que Freud, de forma explícita,
declara a existência do eu, autorizando o uso do termo desamparo.
Esse termo é empregado “diante de um ser de linguagem que pode
saber o que é se sentir desamparado, antes ou depois da aquisição da
habilidade linguística”.
Falar de desamparo, em uma descrição psicológica dos organismos humanos, justifica-se porque projetamos no outro, adulto ou criança, as qualidades mentais que possuímos ou que eles poderão vir a possuir no curso do desenvolvimento, se trata de crianças. Ao dizermos que o bebê é desamparado porque é prematuro queremos dizer que, em situações similares à da prematuração, sentimos algo que chamamos de desamparo. Essas situações são aquelas em que dependemos de outrem para sobreviver, para viver melhor ou, ao contrário, situações nas quais o sujeito e o outro são impotentes para deterem o risco de morte ou sofrimento. (Costa, 2007, p.62)
A noção freudiana de desamparo foi apresentada, pela primeira
vez, em 1895, no “Projeto para uma psicologia científica” (Freud,
1886-1889/1996), no contexto sobre “a experiência de satisfação”.
O organismo humano é, a princípio, incapaz de promover essa
ação específica. Ela se efetua por ajuda alheia, quando a atenção de
uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga através da via de alteração.
Essa via de descarga adquire, assim, a
importantíssima função secundária de comunicação, e o desamparo
inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos
morais [Cf. p.420]. (Freud, 1886-1889/1996, p.370)
Fortes (2008, p.28), em seu artigo “Masoquismo e desamparo
no sofrimento contemporâneo”, comenta “a dependência absoluta e
radical do outro” do contexto de Freud apontado na citação anterior.
O sujeito humano sofre uma pressão interna das “fontes endossomáticas” (frio, fome, dor etc.) em decorrência dos estímulos endógenos, que podem desencadear uma “ação específica” que provoque
alguma reação externa e, assim, diminuir a tensão, promovendo uma
sensação de alívio.
Quando a pessoa que ajuda executa o trabalho da ação específica
no mundo externo para o desamparado, este último fica em posição,
por meio de dispositivos reflexos, de executar imediatamente no
interior de seu corpo a atividade necessária para remover o estímulo
endógeno.
A totalidade do evento constitui então a experiência de
satisfação, que tem as consequências mais radicais no desenvolvimento das funções do indivíduo.
(Freud, 1886-1889/1996, p.370)
Freud (1886-1889/1996), em uma nota de rodapé, explica que o
grito do bebê pode ser considerado uma alteração interna.
Provavelmente, um pedido de ajuda desse para o outro.
Nessa perspectiva, Fortes (2008) aponta que o bebê precisa ter
o outro para realizar a ação específica, mobilizando nesse outro um
sentimento de pedido de ajuda para satisfazer suas necessidades.
Portanto, ele modifica o meio externo.
É no fato de o bebê precisar da ajuda de um outro que reside o
desamparo primordial [...]
Portanto, neste momento do “Projeto
para uma psicologia científica”, o desamparo é equivalente à necessidade de ajuda por parte da criança. Esta precisa de um outro que a
acompanhe no caminho em direção à satisfação.
(Fortes, 2008, p.28)
Freud (1895/1977 apud Costa, 2007, p.28) assevera que o desamparo inicial dos seres é “a fonte primordial de todos os motivos
morais”. Isto quer dizer que o sujeito está sempre na dependência
e ligado ao outro. “Dizer que o desamparo está na base da moral é sustentar como a figura do outro intervém desde o início na formação do sujeito.”
Pereira (1999 apud Fortes, 2008) recorda a importância da noção
de desamparo para o bebê no início de sua vida, que se manifesta
como um processo psíquico, de forma complexa e importante para
elaborações posteriores.
E ressalta que “Freud desenvolve como as
vivências de desprazer do bebê serão interpretadas pelo adulto como
sinais de um desamparo radical, constituindo-se numa forma de
apelo ao outro” (Fortes, 2008, p.28).
Freud (1925-1926/1996), em “Inibições, sintomas e ansiedade”,
relata que o desamparo está relacionado com a ansiedade na situação
de perigo.
[...] ela consiste na estimativa do paciente quanto à sua própria força
em comparação com a magnitude do perigo e no seu relacionamento
de desamparo em face desse perigo – desamparo físico se o perigo for
real e desamparo psíquico se for instintual. [...] Denominemos uma
situação de desamparo dessa espécie, que realmente tenha experimentado, de situação traumática. (Freud, 1925-1926/1996, p.161)
Para Freud, a ansiedade “é, por um lado, uma expectativa de um
trauma e, por outro, uma repetição dele em forma atenuada”. Entretanto, a ansiedade percorre caminhos distintos; “a origem é diferente”. “Sua vinculação com a expectativa pertence à situação de perigo,
ao passo que sua indefinição e falta de objeto pertencem à situação
traumática de desamparo – a situação que é prevista na situação de
perigo” (Freud, 1925-1926/1996, p.162).
Seguindo essa sequência, ansiedade-perigo-desamparo (trauma), podemos agora resumir o que se disse.
Uma situação de perigo
é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo.
A ansiedade é a reação original ao desamparo no trauma, sendo
reproduzida depois da situação de perigo como sinal em busca de
ajuda. O ego, que experimentou o trauma passivamente, agora o
repete ativamente, em versão enfraquecida, na esperança de ser ele próprio capaz de dirigir seu curso.
É certo que as crianças se
comportam dessa maneira em relação a toda impressão aflitiva que
recebem, reproduzindo-a em suas brincadeiras. Ao passarem assim
da passividade para a atividade tentam dominar suas experiências
psiquicamente. (Freud, 1925-1926/1996, p.162)
O perigo da criança, segundo Freud (1925-1926/1996), é de
perder o objeto protetor, aquele que a livra da situação de desamparo
psíquico e motor.
A criança precisa de ajuda do outro para sua própria sobrevivência.
Freud (1925-1926 apud Fortes, 2008, p.28) descreve que “o
desamparo é associado ao medo da perda do amor do ser que ocupa a função de protetor.
Dada a dependência do sujeito, o perigo
maior é o de ser abandonado, deixado à própria sorte e ao próprio
desamparo”. Quando se perde o amor do outro, surge a angústia da
separação.
Freud (1932-1936/1996) explica que a ansiedade está relacionada com a situação traumática.
Segundo ele, o que determina a ansiedade automática é a ocorrência de uma situação traumática, em que
resulta uma experiência de desamparo por parte do ego diante de um
acúmulo de excitação, podendo ser de origem externa ou interna,
com o qual o ego não pode lidar.
A ansiedade, como sinal, é a resposta do ego à ameaça da ocorrência de uma situação traumática. Esta ameaça constitui uma situação
de perigo.
Os perigos internos sofrem modificações de acordo com
o período de vida, mas possuem uma característica comum, a saber,
envolvem a separação ou perda de um objeto amado, ou a perda
de um amor.
Essa perda ou separação poderá conduzir, de várias
maneiras, a um acúmulo de desejos insatisfeitos e, assim, levar a
uma situação de desamparo.
Na ansiedade como sinal, Freud relata
que existe um mecanismo pelo qual o ego restringe a geração de
experiências dolorosas. Dessa maneira, a libertação do desprazer
fica restrita em quantidade, e seu início atua como um sinal ao ego
para que este fixe sua defesa normal em funcionamento (Freud,
1932-1936/1996).
Estabelece-se, assim, uma correlação entre a angústia e o desamparo: “[...] como um fenômeno automático e como um sinal
de salvação, verifica-se que a angústia é um produto do desamparo
mental da criança” (p.162).
A angústia, aqui, de maneira diferente da
primeira teoria da angústia, tem a função de um sinal para a evitação
de uma situação de perigo, sendo o maior dos perigos a possibilidade
da separação da mãe [...] (Freud, 1925-1926 apud Fortes, 2008, p.29)
Reafirmando Freud (1925-1926/1996), a ansiedade é o resultado de um aumento de excitação do ego, podendo produzir o desprazer bem como o alívio por meios dos atos de descarga.
Segundo
o autor, quando a criança descobre, pela experiência, que um objeto
externo perceptível pode pôr termo à situação de perigo, revive o
nascimento. Portanto, o conteúdo do perigo que ela teme é a perda
do objeto.
Entretanto, é a ausência da mãe que agora constitui o
perigo, e logo que surge esse perigo a criança dá sinal de ansiedade,
antes que a temida situação econômica se estabeleça.
Essa mudança
constitui a primeira reação de providência adotada pela criança para
sua autopreservação, representando, ao mesmo tempo, uma passagem do aparecimento automático e involuntário da ansiedade para a
reprodução intencional da ansiedade como sinal de perigo.
O fenômeno automático é um sinal de salvação, e a ansiedade é um produto
de desamparo mental da criança, o qual corresponde naturalmente a
seu desamparo biológico.
Nessa perspectiva, cabe retornar à afirmação de Rank (apud
Freud, 1925-1926/1996, p.147) de que “o processo de nascimento é
a primeira situação de perigo, e a convulsão econômica que ele produz torna-se o protótipo da reação de ansiedade”.
Pereira (1999 apud Fortes, 2008, p.29) indica a leitura dos seguintes textos para a compreensão do desamparo em Freud: “O futuro de
uma ilusão” (1927); “Inibições, sintomas e ansiedade” (1930) e “O
mal-estar na civilização” (1930), porque constituem a teorização
da problematização do desamparo.
Em “O futuro de uma ilusão”,
Freud compreende o desamparo não como um momento do funcionamento do psiquismo, mas como uma condição que acompanha o sujeito por toda a sua existência, como sendo seu destino (Freud,
1927-1931/1996).
Segundo Fortes (2008), o desamparo na concepção freudiana em
seu estado inicial era considerado uma imaturidade do ser humano
e seria ultrapassável com o seu desenvolvimento.
Trata-se da “[...]
condição última da falta de garantias do funcionamento psíquico, que
o homem tem de enfrentar quando se livra de todas as ilusões protetoras que cria para si mesmo” (Freud, 1930 apud Fortes, 2008, p.29).
Fortes (2008) analisa no texto “O futuro de uma ilusão” que o
homem busca nas religiões a figura de um pai, associada ao que é
divino.
Essa é a proteção para seus perigos, vindos da natureza e do
destino, contra todo o sofrimento da humanidade. Freud afirma, em
seus escritos, “[...] a desagradável suspeita de que a perplexidade e
o desamparo da raça humana não podem ser remediados” (Freud,
1927-1931/1996, p.27).
Entretanto, existe o desamparo na criança
e no adulto.
As religiões asseguram que o sujeito não ficará desamparado, que terá alguém que não a abandonou e que poderá se sentir
protegido e amparado.
Em “O mal-estar na civilização”, Freud
(1927/1931/1996) assinala que o homem deve renunciar seus desejos, ou seja, deixar suas pulsões para viver na civilização, porém
deve privar-se do prazer e da agressividade que traz perigo para si e
para o outro. Assim, não perderá o amor do outro e não sentirá culpa.
Ao mesmo tempo, ganhará as bênçãos dos céus.
Com a renúncia de
suas pulsões, o homem não correrá o risco de ser abandonado pelo
Divino Pai.
Nos desdobramentos posteriores das teorizações matrizes de
Freud, Melanie Klein (1946-1963/1991) teve um papel relevante e acabou por fundar uma importante escola dentro do amplo movimento psicanalítico, sobretudo pelas suas contribuições teóricas
acerca das ansiedades iniciais que incidem sobre o funcionamento e
a estruturação da psique.
Basicamente, ela destaca duas ansiedades
básicas como modos estruturantes e estratégias utilizadas pelo aparelho psíquico para lidar com os fantasmas que o assaltam, valendo-
-se das pulsões destrutivas.
Segundo essa psicanalista, o sentimento de hostilidade e a correspondente divisão do Eu como estratégia básica de enfrentamento, e o sentimento de perda com a correspondente tentativa de produzir a unificação do Eu, do objeto, e de mantê-los
ligados constituem os desafios primeiros da vida e instalam modos de
funcionamento psicológico que serão ativados ulteriormente.
A esses
dois modos e estratégias primordiais ela deu o nome de posição esquizoparanoide e posição depressiva. Tais posições são consideradas “estados momentâneos de organização do ego” que transitam por toda
vida no indivíduo (Klein apud Quinodoz, 1993, p.75).
Para Klein (1946-1963/1991), o início da vida da criança é distinto da visão de Freud, que o denominava narcisismo primário.
Klein
fala de indiferenciação ego-objeto, que ocorre desde o nascimento, e
que a angústia está a trabalho interno da pulsão de morte.
De acordo
com Klein (1946-1963/1991), é na primeira infância que surgem as
ansiedades de cunho psicótico.
Segundo Melanie Klein, no nascimento já existe ego suficiente
para experimentar ansiedade, usar mecanismos de defesa e formar
relações de objeto primitivas na fantasia e na realidade.
Descreve,
também, um mecanismo de defesa primitivo, isto é, a deflexão do
instinto de morte, que ocorre no início da vida; seu conceito de realização de desejo alucinatório implica um ego capaz de formar uma
relação de objeto e fantasia. (Segal, 1975, p.36)
A criança, logo ao nascer, se depara com a pulsão de morte, que é a
primeira angústia vivida pela criança.
Esta situação é escrita por Klein
e denominada angústia de aniquilamento. A criança vai usar de mecanismos de defesa primitivos, como a projeção e a introjeção, para lidar
com essa angústia que é projetada para o mundo externo e, assim, vai
construindo a fantasia do objeto mau que ameaça o ego de fora.
Nem
tudo é projetado para fora, por causa dos mecanismos de defesa, projeção e introjeção; uma parte do objeto mau fica no mundo interno da
criança, o qual passa a ser o objeto persecutório, e a criança vive uma
ameaça também dentro do seu mundo interno.
Ao lado do objeto
mau, também há um objeto bom introjetado (Quinodoz, 1993).
Para Segal (1979 apud Quinodoz, 1993, p.75), “[...] a angústia
é mais pela perda do objeto bom do que de ser atacado pelo objeto
mau”.
Portanto, podemos pensar que a vivência da perda do objeto bom gera angústia e, em consequência disso, pode resultar num
estado de desamparo emocional. Entretanto, o sentimento de culpa que surge na posição depressiva por ter perdido o objeto bom
(mãe) internalizado em decorrência das pulsões e fantasias agressivas cria no bebê a fantasia de ter sido abandonado e que a morte será o seu destino.
A esse respeito, Quinodoz (1993) enfatiza que, na posição depressiva, aparecem sentimentos ambivalentes na criança e em suas
relações objetais. Surge o medo de perder o objeto amado, em razão
de seu ódio e suas pulsões agressivas direcionadas a ele, e de que
destrua o objeto do qual depende totalmente.
A criança descobre a
sua dependência pelo objeto e até sente a necessidade de protegê-lo
contra seus próprios ataques destrutivos. Nessa posição, em virtude
da onipotência da criança, também irrompe o medo de perder o objeto bom internalizado.
Embora tenha suposto que o resultado da posição depressiva
depende da elaboração da fase precedente, atribui, não obstante,
à posição depressiva um papel central no desenvolvimento inicial da criança.
Isso porque, com a introjeção do objeto como um
todo, as relações de objeto do bebê se alteram fundamentalmente.
A síntese entre os aspectos odiados e amados do objeto completo
dá origem a sentimentos de luto e culpa que implicam progressos
vitais na vida emocional e intelectual do bebê
Esse é também um
ponto crucial para a escolha da neurose ou psicose. (Klein, 1946-
1963/1991, p.22)
Klein (1946-1963/1991) defende que, quando o ego não consegue elaborar a posição depressiva, esse regride para a posição
esquizoparanoide.
Surgem os medos persecutórios e os traços esquizoides, que podem desencadear estados de desintegração do ego. Por
outro lado, também poderão ser reforçados os traços depressivos.
Ainda de acordo com Klein (1946-1963/1991, p.24), “a ansiedade de ser destruído a partir de dentro permanece ativa”. Entretanto,
a ausência dessa ligação e o ego sob pressão tendem a despedaçar.
O ego despedaçado caracteriza os estados de desintegração nos
esquizofrênicos.
Klein (1946/1991, p.21) aponta que “a fase persecutória” foi
posteriormente denominada de “posição paranoide” e que essa posição vem antes da “posição depressiva”.
Para Segal (1979 apud Quinodoz, 1993, p.75), a angústia da posição esquizoparanoide é vivida de forma persecutória e o medo é de
que o “[...] perseguidor destrua ao mesmo tempo o ego (self) e o objeto idealizado”.
Em decorrência da posição esquizoparanoide, são
utilizados os mecanismos primitivos de defesa: a cisão, a idealização
e a negação onipotente. Segundo a autora, a frustração é vivida como
persecutória e as relações boas são vistas como idealizadas.
A ansiedade, segundo Klein (1946-1963/1991), surge da pulsão
de morte sentida dentro do organismo como medo de aniquilamento, e, com isso, se torna o medo persecutório.
O medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente
a um objeto, ou melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto denominador. Outras fontes importantes de ansiedade
primária são o trauma do nascimento (ansiedade de separação) e a
frustração de necessidades corporais. E também essas experiências
são sentidas desde o início como sendo causadas por objetos. (Klein,
1946-1963/1991, p.24)
Portanto, por meio da introjeção, esses objetos se tornam perseguidores internos e perigosos. Sob ameaça, o medo do impulso
destrutivo interno é reforçado (Klein, 1946-1963/1991).
Na gratificação alucinatória, entram os mecanismos de defesa,
como a cisão do objeto e a negação, sentidos tanto na frustração como na perseguição.
O objeto frustrador e perseguidor é mantido completamente
separado do objeto bom idealizado. No entanto, o objeto mau não
é apenas mantido separado do objeto bom; sua própria existência é
negada, assim como são negados toda a situação de frustração e os
maus sentimentos (dor) a que a situação de frustração dá origem.
Isso se relaciona com a negação da realidade psíquica.
A negação da
realidade psíquica só se torna possível através de fortes sentimentos
de onipotência, uma característica essencial da mentalidade arcaica.
A negação onipotente da existência do objeto mau e da situação de
dor é, para o inconsciente, igual à aniquilação pelo impulso destrutivo.
Entretanto, não são apenas uma situação e um objeto que são negados e aniquilados: é uma relação de objeto que sofre esse destino e,
portanto, uma parte do ego, da qual emanam os sentimentos pelo objeto, é negada e aniquilada também. (Klein, 1946-1963/1991, p.26)
Durante o processo de desenvolvimento da criança, várias situações são experimentadas pela separação ou perda, que significa
uma ameaça em cada etapa vivida.
Para Klein, as primeiras grandes
perdas para a criança são o nascimento e o desmame e, consequentemente, a perda do objeto idealizado.
Portanto, a separação e as
perdas acabam desencadeando “uma reação de luto, acompanhada
de tristeza e de nostalgia, o que o torna um elemento da posição depressiva” (Quinodoz, 1993, p.78).
Na aprendizagem do controle esfincteriano, a criança precisa
renunciar às fezes internas idealizadas; o andar e o falar também
implicam o reconhecimento de si próprio como individualidade
separada.
Na adolescência, a dependência infantil deve ser abandonada; na idade adulta, é preciso enfrentar a perda de seus próprios
pais e de figuras parentais e, pouco a pouco, a perda de sua própria
juventude.
A cada etapa do desenvolvimento, é preciso escolher
novamente entre regredir, para fugir da dor depressiva, em direção a
um modo de funcionamento esquizoparanoide, ou elaborar essa dor
depressiva para permitir que o desenvolvimento se complete.
Nesse
sentido, podemos dizer que a posição depressiva nunca é totalmente elaborada: a elaboração completa da posição depressiva levaria a
algo com perfeita maturidade.
Porém, o grau alcançado de elaboração da depressão e de integração dos bons objetos internos pelo ego
determinam a maturidade e o equilíbrio do indivíduo. (Segal, 1979
apud Quinodoz, 1993, p.78)
Klein (1946-1963/1991) postula que é na posição depressiva que
o ego pode ser considerado mais integrado, porque pode ter uma visão mais completa de realidade interna e externa, e também enxergar
de forma total os dois mundos.
O impulso de reparação que, nesse estágio passa a primeiro
plano, pode ser visto como consequência de um maior insight sobre
a realidade psíquica e de uma síntese crescente, pois demonstra uma
resposta mais realista aos sentimentos de pesar, culpa e medo da
perda, resultantes da agressão contra o objeto amado. (Klein, 1946-
1963/1991, p.33)
A reparação para Klein (1946-1963/1991) tem o objetivo de proteger o objeto que foi destruído, assim as relações objetais se tornam
mais satisfatórias, e as sublimações das pulsões, mais elaboradas
para integração do ego.
Mesmo considerando o excessivo “internalismo” da teoria kleineana, que parece desconsiderar ou não contemplar as condições
objetivas nas quais se desenrolam as experiências subjetivas, parece
útil recorrer aos conceitos de posição esquizoparanóide e depressiva para compreender alguns aspectos da vivência dos filhos dos
dekasseguis.
As crianças, ao migrarem para outro país, acabam se deparando
com as angústias persecutórias e depressivas, como se voltassem
num tempo de vivências muito primitivas.
Essas crianças passam
por novos nascimentos, numa linguagem psicanalítica, em todas as
suas viagens de mudanças e andanças por esse mundo afora. Entretanto, têm de nascer e desmamar das suas terras-mães, atravessando
separações e vários lutos em sua tenra idade.
A posição esquizoparanoide e a posição depressiva de Melanie
Klein descritas nesse contexto nos mostram os estados momentâneos de organização mental em que se encontram essas crianças
(e)imigrantes.
A negação da realidade psíquica e a onipotência são
mecanismos primitivos de defesa do ego; assim, a criança acaba se
esquivando do contato com a nova realidade.
O sentimento onipotente que surge nessas crianças serve exatamente para preservar o
antigo objeto idealizado, no caso o Japão, e evitar que não caiam em
desamparo emocional.
A construção e a formação de novos vínculos saudáveis ocorrem
quando a criança se encontra mais integrada emocionalmente.
O
ego já está mais fortalecido, e os objetos persecutórios, mais controlados. Portanto, é na posição depressiva que a criança (e)imigrante
poderá ficar inteira nas relações objetais e perceber, desse modo, o
seu estado de dependência pelo objeto e que a ausência do objeto
pode desencadear o estado de desamparo.
Logo, entendemos que
os processos esquizoides e depressivos, presentes no funcionamento
psicológico, são ativados ou não dependentes de situações emergentes na relação do sujeito com o outro, com o seu mundo.
Birman (2006) esboça as transformações nas formas de mal-estar
na contemporaneidade, as quais são reconhecidas nos discursos
psiquiátricos e psicanalíticos. Enuncia o corpo como o registro do
mal-estar e a insatisfação do homem.
Caracteriza a atualidade como
a sociedade dos excessos.
A ação, a compulsão, a maneira de agir sem
pensar, a falta de tempo e espaço, o vazio no sentir que aparece no
psiquismo, tudo isso mostra que o excesso se encontra subjacente.
“Em face do excesso, o psiquismo procura dele se livrar pela ação,
para não correr o risco de ficar paralisado pela angústia” (Birman,
2006, p.183). O corpo também é um meio através do qual o psiquismo se livra da angústia.
À vista do que expusemos até aqui, podemos concluir que, em
qualquer tempo, o indivíduo pode regredir e usar de mecanismos
de defesas arcaicas.
O homem parece fugir de sentir-se desamparado, mobilizando uma série de ansiedades primitivas contra esse
sentimento.
O homem volta no mundo infantil para tentar buscar o aconchego do objeto primário.
Assim, a contemporaneidade é
caracterizada pelo tempo de desamparo, pelo individualismo, pelo
isolamento, no qual o outro tende a representar mais uma ameaça do
que uma segurança.
A criança (e)imigrante, em sua curta história de vida, traz consigo
marcas profundas das condições atuais de mobilidade e desamparo
vivenciadas na (e)imigração.
O sofrimento emocional desencadeado
por esse trânsito migratório percorre por toda uma vida.
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Kátia Barbosa Rumbelsperger, Psicoeducadora
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Minha trajetória profissional é marcada por uma profunda dedicação à educação, psicoterapia e ao desenvolvimento humano. Sou mãe, casada e avó.
Sou formada em Pedagogia, com especialização nas séries iniciais e fundamentais, além de possuir um vasto conhecimento em administração. Minha paixão pela educação e pelo apoio ao desenvolvimento integral das pessoas me levou a diversas formações e atuações no campo da psicologia, psicanálise e terapias holísticas.
Minhas Formações
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No Instituto Katia Rumbelsperger 360 Graus (IKR), utilizamos o Método DNA (Desenvolvimento Natural do Autoconhecimento), que tem como objetivo promover o crescimento pessoal e o autoconhecimento através de abordagens integradas e inovadoras. O IKR é uma referência em desenvolvimento humano e oferece uma variedade de programas e treinamentos focados em melhorar a qualidade de vida e o bem-estar emocional.
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